Uma cena já se tornou rotina pelas manhãs da principal via do Distrito Industrial de Gravataí: dezenas de urubus se alimentam de carcaças de aves, cabritos e até mesmo suínos deixados na “rótula dos batuqueiros”, como é chamado popularmente o local, que recebe, frequentemente, rituais de cultos de religiões afro-brasileiras e ocultismo. Embora a prática seja tradicional neste local, a presença de praticantes destas religiões se intensificou com a instalação de uma estátua de Exú Bará, recentemente, numa lei muito controversa, proposta pelo então Vereador Alison Silva (MDB), que não previa a responsabilidade pela coleta deste tipo de descarte orgânico.
À noite o local recebe os religiosos, mas pela manhã, centenas de trabalhadores passam por ali para trabalhar nas indústrias locais.
Derli Alves, de 43 anos, é um deles. Ele passou de moto pela rótula e parou quando viu nossa reportagem. Ele fez questão de dar seu depoimento. Segundo ele, dias atrás, um colega seu caiu de moto bem ali, após ela resvalar sobre cera de vela.
– Isso acontece há anos, sempre esse cheiro de carniça. Mas de algum tempo para cá piorou, contou ele.
No local existe um container para descarte de carcaças de animais e demais materiais utilizados em rituais religiosos, além de uma placa orientando sobre as punições que estão sujeitos aqueles que descumprirem as normas municipais.
Não são somente os trabalhadores do Distrito que se sentem prejudicados. Indústrias da região vêem o cenário como um péssimo cartão postal para quem visita a cidade em busca de parcerias comerciais. Recentemente, uma das empresas vizinhas à rótula teria entrado na justiça contra uma festa municipal realizada em homenagem ao Povo de Rua, o chamado Cruzeirão, que é Lei Municipal e acontece com toda a segurança e cuidados necessários, promovido pelo Conselho do Povo de Terreiro de Gravataí. Mesmo assim, através do Sindicato das Indústrias, tentaram impedir a festividade, que acabou acontecendo normalmente.
Mas apurações feitas pela nossa reportagem mostram que há uma intenção por parte destas indústrias na remoção do simbolismo da rótula para outro local.
Existe, ainda, um fator legal referente à instalação da estátua. Ela é vista como a responsável pelo aumento no número de animais deixados ali. Uma fonte da prefeitura nos informou que mensalmente são mais de 700 animais recolhidos, e que a coleta deste tipo de rejeito não é feita pela coleta normal de lixo urbano, necessitando de um trabalho de coleta específico, extremamente oneroso para o Município. A Lei, que pode ter que ser revista, não previa a responsabilidade pela manutenção de quem doou a estátua, algo que acontece, por exemplo, na estátua similar, em Porto Alegre, na região do Porto Seco. O fato de gerar custos para o município, algo vedado pela legislação, pode ser motivo para essa revisão. A própria remoção do local da estátua deverá ser analisada.
Em Nota, a Prefeitura informa que disponibiliza containers para o descarte adequado e que reforçará a fiscalização para que os responsáveis sejam identificados. Também em Nota, o CMPTG reforça que orienta as mais de 300 casas registradas no conselho e que grande parte dos responsáveis pelo descarte desenfreado vêm de cidades da região metropolitana.
Segue a íntegra da nota da Prefeitura:
A Prefeitura de Gravataí realizou, no local conhecido como Cruzeirão, no Distrito Industrial, uma série de ações de zeladoria urbana e proteção ao meio ambiente. Foram executados serviços de limpeza regular, melhoria da iluminação pública e disponibilização de contêineres para o descarte adequado de resíduos, contribuindo para a conservação do espaço e a redução de impactos ambientais.
Por meio da SEINFRA, a Prefeitura intensificará a fiscalização na área, inclusive com apoio da Guarda Municipal, para coibir a disposição irregular de resíduos e oferendas religiosas em vias públicas, prática que causa poluição e degrada o ambiente. Paralelamente, o Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Gravataí (CMPTG) tem orientado as mais de 300 casas de religião regularizadas a não realizarem entregas de oferendas nem sacralização de animais em espaços públicos, incentivando práticas responsáveis e respeitosas com a cidade e com o meio ambiente.
Íntegra da Nota do CMPTG
NOTA DE REPÚDIO — 19 de novembro de 2025
Descarte irregular de resíduos ritualísticos no “Cruzeirão Municipal” – Distrito Industrial de Gravataí / RS
O Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Gravataí (CMPTG) vem a público manifestar seu veemente repúdio ao episódio ocorrido na madrugada entre os dias 18 e 19 de novembro de 2025, quando foram novamente depositados restos e descartes oriundos de rituais religiosos na rotatória conhecida como “Cruzeirão Municipal”, situada no Distrito Industrial de Gravataí, na interseção da Av. Plínio Gilberto Kroeff
com a Rua Paul Zivi.No local está instalada uma imagem de Exu Bará da Rua, de grande porte,
dedicada a valorização e respeito aos Cultos Afro-Brasileiros do município. Entretanto, desde a instalação da referida imagem, a área passou a ser alvo de descarte desenfreado e irregular de elementos ritualísticos, prática que desvirtua a finalidade do
espaço e contraria os fundamentos das religiões de matriz africana.
O CMPTG destaca que os adeptos, dirigentes e casas religiosas de Gravataí são continuamente orientados sobre as formas adequadas de entrega, recolhimento e
destinação dos materiais utilizados em seus rituais, conforme normas ambientais, espirituais e éticas. Tais orientações são amplamente difundidas e seguidas pela comunidade religiosa local.
Por esse motivo, há fortes indícios de que esses descartes estejam sendo
realizados por pessoas de outros municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre, que não observam as práticas e diretrizes estabelecidas pelo CMPTG.É fundamental esclarecer ao público que tais ações não representam as
condutas, valores ou fundamentos das tradições afro-brasileiras de Gravataí. Trata-se de uma prática indevida que fere o espaço público, causa prejuízo ambiental, desrespeita um símbolo religioso e ainda contribui para interpretações equivocadas que alimentam a intolerância religiosa.
O CMPTG repudia com firmeza qualquer atitude que viole espaços sagrados, que desrespeite símbolos de culto ou que utilize indevidamente locais destinados à preservação cultural e espiritual. Reafirmamos nosso compromisso com a educação
religiosa, a preservação do meio ambiente, a defesa das tradições afro-brasileiras e o combate a toda forma de discriminação.Solicitamos que a população colabore realizando denúncia aos órgãos
competentes sempre que testemunhar práticas semelhantes, contribuindo para proteger e resguardar o patrimônio cultural e religioso de nossa cidade.Gravataí, 19 de novembro de 2025
Conselho Municipal do Povo de Terreiro de GravataíNOSSO LEMA GESTÃO 2025/2026 DO CMPTG (GRAVATAÍ É + AXÉ)
Pai Luis Fernando Hrymalak Pinto – De Xangô – Presidente do CMPTG
Reportagem exclusiva Lelê Pereira – @reporterlelepereira



