Transtorno do Jogo atinge quase 1% da população brasileira e pode ser tratado com o fortalecimento de vínculos
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Foto: Imagem meramente Ilustrativa / Freepik

Transtorno do Jogo atinge quase 1% da população brasileira e pode ser tratado com o fortalecimento de vínculos

Especialista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) alerta para aumento de apostas entre os jovens. Mais de 10 milhões de brasileiros enfrentam problemas ligados ao vício em jogos.

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A recuperação das pessoas com transtornos mentais relacionados aos chamados jogos de azar não se resume a interromper as apostas. A conexão emocional entre familiares saudáveis ou profissionais da saúde especializados pode ser uma das chaves do tratamento e recuperação. A afirmação é do chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Felix Kessler. Segundo ele, a adição está ligada ao sofrimento, que só pode ser aplacado pela conexão emocional. “O contrário da adição nem sempre é somente a abstinência, mas a conexão com indivíduos saudáveis e a ressignificação de valores. O sofrimento que alimenta os jogos de azar só pode ser aplacado pela reconstrução de vínculos emocionais positivos — com familiares, amigos e até mesmo profissionais de saúde”, afirma. Embora medidas de coerção e punição possam mudar o comportamento a curto prazo, ele ressalta que é a psicoeducação com afeto que transforma de forma duradoura.

Dez milhões de afetados conforme o III Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III), uma das maiores pesquisas sobre uso e dependência de álcool e drogas no Brasil, 7,3% dos brasileiros com 14 anos ou mais se enquadram na categoria de jogo de risco ou problemático, o que representa cerca de 10,9 milhões de pessoas. Eles apresentam sinais de perda de controle, tentativas repetidas de recuperar perdas financeiras, sentimentos de culpa e consequências negativas no bem-estar emocional, social e econômico. Além disso, aproximadamente 1,4 milhão de brasileiros (ou 0,8% dos brasileiros) atingem escores compatíveis com diagnóstico provável de Transtorno do Jogo, condição clínica que impacta de forma significativa a saúde mental, a qualidade de vida e a estabilidade social e econômica. “Vejo pessoas pedindo demissão para pagar empréstimos realizados devido a dívidas de jogo. Já acompanhei casos em que agiotas e facções tomaram a casa de familiares de devedores. Separações, ansiedade intensa e até suicídio ou mesmo envolvimento com a criminalidade estão entre os desfechos possíveis” afirma Kessler, que coordena o ambulatório de adições do Clínicas.
Embora os homens adultos formem o maior contingente de pessoas que declararam ter feito apostas no último ano, Kessler alerta para a prevalência de jovens e adolescentes entre os que apresentam uma relação problemática com os jogos. Conforme o Levantamento, mais da metade (55,2%) dos jovens que apostaram foram classificados como jogo de risco ou problemático. “A mentira costuma vir junto com as adições comportamentais. Muitas vezes o jovem insiste em falar apenas dos ganhos, escondendo as perdas, e isso mascara a gravidade do problema”, explica. Segundo Kessler, mudanças de humor, isolamento em casa, faltas em aulas e provas, dificuldade em desinstalar aplicativos de apostas e tentativas repetidas de recuperar perdas financeiras são sinais de alerta que devem ser observados de perto pelos familiares.

Como ajudar O especialista destaca ainda que a dependência em jogos não se explica apenas pela ação da dopamina, neurotransmissor relacionado à recompensa. Áreas cerebrais ligadas ao estresse, ao tédio e à depressão também contribuem para manter o ciclo do jogo patológico. Nesse sentido, promover atividades que ofereçam prazer e sentido à vida torna-se fundamental para reduzir a busca repetitiva pelas apostas. Uma das estratégias mais eficazes é o chamado manejo de contingência, em que familiares passam a acompanhar e controlar as finanças da pessoa em tratamento, reduzindo os estímulos para novas apostas. Para Kessler, esse tipo de cuidado coletivo é decisivo. “É um gesto difícil, mas que pode salvar vidas e reconstruir famílias”, explica.
O HCPA oferece atendimento especializado a pessoas com transtornos mentais relacionados aos jogos de azar, com acompanhamento multiprofissional que inclui Terapia Cognitivo-Comportamental, grupos coordenados por profissionais treinados e, quando necessário, uso de medicamentos. O especialista reforça que a recuperação é possível quando há acolhimento, vínculo afetivo e tratamento adequado, lembrando que o combate ao jogo patológico depende não apenas de intervenções médicas, mas sobretudo da capacidade de criar conexões humanas que devolvam ao indivíduo a esperança e o equilíbrio. O encaminhamento para tratamento no Clínicas pode ser feito pela rede básica de saúde, pelas emergências psiquiátricas ou pelos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS).

Com a informação HCPA.

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