A canalização dos córregos de Imbé, no Litoral Norte, em andamento pela prefeitura do município, tem levantado um debate urgente: será essa realmente a melhor solução para o escoamento da água da cidade? Do ponto de vista técnico, ambiental e econômico, especialistas apontam que a resposta tende a ser negativa.
Imbé está localizada em uma área de solo arenoso, com lençol freático alto e topografia praticamente plana — características que tornam o sistema de drenagem por tubos de concreto pouco eficiente, segundo o engenheiro ambiental Bento Perrone.
De acordo com ele, a falta de declividade impede que a água escoe com a velocidade necessária, favorecendo o acúmulo de areia dentro das tubulações e o consequente entupimento. “Isso exige manutenção constante, com dragagem e limpeza periódica — um processo caro e difícil de manter”, explica Perrone.
O engenheiro também destaca que, por o lençol freático ficar a menos de um metro da superfície, grande parte da rede de tubos acaba “afogada”, reduzindo a capacidade de drenagem e resultando em desperdício de recursos públicos.
Alternativas mais sustentáveis
Perrone defende o uso de canais abertos como uma alternativa mais adequada para as condições naturais de Imbé. Apesar do preconceito de parte da população, que associa esses canais a “valos” ou locais sujos, ele lembra que cidades como Amsterdã e Veneza, além de condomínios de alto padrão, utilizam esse modelo com eficiência e valorização paisagística.
Do ponto de vista hidráulico, os canais abertos oferecem maior capacidade de vazão e contribuem para o equilíbrio ecológico. Quando bem preservados, abrigam biodiversidade, ajudam a filtrar poluentes antes que alcancem o mar e melhoram a qualidade ambiental. A exposição à luz solar e ao oxigênio também reduz a proliferação de doenças.
Ecossistemas vivos em risco
Os córregos naturais de Imbé abrigam um ecossistema ativo, com espécies como libélulas, traíras e pequenos peixes que controlam naturalmente a população de mosquitos e mantêm o equilíbrio ambiental. Em sistemas canalizados e fechados, essa vida desaparece — e os problemas com insetos e doenças tendem a persistir.
Para Álvaro Nicotti, professor e diretor do Movimento de Defesa do Litoral Norte (MOVLN), manter os cursos d’água abertos e limpos é uma questão de saúde pública e sustentabilidade. “Um canal vivo ajuda a depurar a água, evitar a eutrofização e garantir um mar mais limpo e oxigenado”, afirma.

Nicotti cita o exemplo de Balneário Camboriú (SC), onde a canalização total dos córregos e o despejo direto no mar provocaram consequências graves: praias impróprias para banho, surtos de doenças e casos de infecção. “O que foi vendido como progresso acabou se tornando um problema ambiental e sanitário”, alerta.
Para o professor, os córregos de Imbé fazem parte da identidade local e de um modo de vida integrado à natureza. Preservá-los, diz, é garantir uma cidade mais saudável, sustentável e equilibrada.
As preocupações expressas por moradores e pelo MOVLN foram reforçadas por um parecer técnico da engenheira sanitarista Rozane Fedrigo, que atua no Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). O documento corrobora as críticas à canalização e indica que soluções mais próximas da natureza podem trazer melhores resultados para a cidade e para o meio ambiente.
Nas telas
O debate sobre a canalização dos córregos em Imbé motivou a criação de um documentário de produção independente para falar sobre o tema, com depoimento de moradores e especialistas.
Definido por seus realizadores como um curta-metragem de abordagem poético ambiental, o documentário “Um Córrego Cheio de Vida” é uma introdução à sustentabilidade como premissa fundamental de um projeto alternativo de desenvolvimento humano no qual seres humanos e natureza convivem harmonicamente um com o outro, em respeito mútuo e numa relação de trocas simbólicas benéficas para ambas as partes.
Assista, abaixo, ao documentário completo:



