Round 6: Purificação social e a sombria realidade por trás do milagre econômico da Coreia do Sul
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Foto: Reprodução Redes sociais

Round 6: Purificação social e a sombria realidade por trás do milagre econômico da Coreia do Sul

Nos anos 1980, a Coreia do Sul atravessava um período de transformações profundas

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Sob a liderança autoritária do presidente Chun Doo-hwan, o país experimentava o chamado “milagre econômico”, que o colocava entre as potências emergentes da Ásia. Enquanto a economia crescia em ritmo acelerado, com indústrias florescendo e a urbanização se expandindo, havia uma face sombria nesse progresso: os projetos de “purificação social”.

A obscura realidade desses projetos encontra um espelho cultural na série “Round 6” (“Squid Game”), um fenômeno global que expôs as tensões sociais e as desigualdades da sociedade sul-coreana. Assim como os jogos brutais da ficção servem como uma metáfora para as pressões e sacrifícios impostos pela busca incessante por sucesso, os projetos de purificação social dos anos 1980 também refletem a desumanização de indivíduos considerados descartáveis em nome do progresso.

Na busca por modernizar o país, o regime militar promoveu campanhas para “limpar” as cidades. Sob o pretexto de criar uma sociedade mais disciplinada e produtiva, autoridades implementaram programas que visavam eliminar indivíduos considerados indesejáveis — incluindo moradores de rua, trabalhadores sexuais, jovens desempregados e pessoas com dependência química. Essa política tinha como pano de fundo a mesma lógica implacável vista na série: o desejo de moldar uma sociedade “ideal” às custas daqueles que não se encaixavam em seus padrões.

Milhares de cidadãos foram detidos arbitrariamente em ruas movimentadas, mercados e estações de trem. Essas pessoas eram enviadas a campos de detenção, onde sofriam abusos, trabalhos forçados e condições desumanas. Assim como os participantes de “Round 6” enfrentavam desafios desumanos em troca de uma chance de sobrevivência e recompensa, os detidos nesses campos eram submetidos a uma vida de exploração e sofrimento sob a promessa ilusória de reintegração social.

Os campos de detenção, como o tristemente famoso Brothers Home, localizado em Busan, ganharam notoriedade por suas práticas brutais. Relatos de sobreviventes descrevem uma realidade de tortura, trabalho forçado e mortes em condições precárias. Oficialmente, esses centros eram destinados à “reabilitação”, mas na prática, funcionavam como prisões clandestinas e fontes de mão de obra explorada para o crescimento industrial. Assim como os segredos sombrios por trás dos jogos em “Round 6”, a verdade sobre esses campos ficou escondida por anos, revelando uma estrutura de poder que priorizava a aparência de ordem em detrimento da dignidade humana.

Investigações recentes revelaram que muitas das pessoas enviadas para esses locais não haviam cometido crimes. Em vez disso, eram vítimas de um sistema que priorizava a aparência de ordem e prosperidade às custas dos direitos humanos. Tal como os personagens da série que representam várias camadas sociais, essas pessoas eram sacrificadas em nome de um objetivo maior que nunca as incluía verdadeiramente.

O governo sul-coreano da época justificava essas práticas como parte de um projeto de “engenharia social” para sustentar o crescimento econômico. Contudo, o custo humano foi incalculável. Famílias foram separadas, vidas destruídas, e uma geração foi marcada pelo trauma. Essa lógica de sacrifício e exploração ecoa o dilema moral central de “Round 6”: até onde uma sociedade está disposta a ir para alcançar seus objetivos, e a que preço?

Somente décadas depois, quando o país iniciou um processo de democratização, vieram à tona os horrores cometidos sob o disfarce de progresso. Ainda hoje, muitas das vítimas e suas famílias lutam por reconhecimento e justiça. Da mesma forma, “Round 6” convida o público a refletir sobre as injustiças estruturais e as cicatrizes que essas práticas deixam em uma sociedade.

O milagre econômico da Coreia do Sul é frequentemente celebrado como um exemplo de sucesso em desenvolvimento rápido. No entanto, a história dos projetos de purificação social destaca as consequências sombrias que podem surgir quando a busca pelo progresso ignora a dignidade humana. Assim como na série, onde o brilho da recompensa final mascara a crueldade do processo, a ascensão econômica da Coreia do Sul carrega as marcas de um custo humano profundo.

Este episódio serve como um lembrete de que o verdadeiro desenvolvimento não se mede apenas por indicadores econômicos, mas também pela capacidade de uma nação de proteger seus cidadãos e respeitar os direitos humanos. A Coreia do Sul de hoje, uma democracia vibrante, ainda carrega as cicatrizes desse período obscuro — e o desafio de continuar aprendendo com seu passado para construir um futuro mais justo e igualitário.

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