Crítica | O Agente Secreto, por Rafa Gomes
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Crítica | O Agente Secreto, por Rafa Gomes

“Que grande momento para o cinema nacional temos mais um forte candidato a concorrer ao Oscar 2026”

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O caminho de “O Agente Secreto” até o Oscar

O Porto Alegre 24 horas foi conferir mais uma grande história muito bem contada pelo cinema Brasileiro.
Já em seus primeiros minutos de filme, somos apresentados ao personagem de Wagner Moura em 1977 durante a semana do Carnaval, dirigindo um Fusca amarelo e parando para encher o tanque em um posto de beira de estrada isolado, neste momento já somos levados ao ambiente mas visceral de uma realidade de época que representa muito bem um cenário quase velho oeste Mas neste mesmo ponto da história nos deparamos com um homem morto, a poucos passos das bombas de gasolina, coberto com papelão para não ser atacado por animais e também tentar amenizar o cheiro de morte no ar. E esse clima de morte e descaso ja nos leva para todo o tom do filme. Mas é oque se passa na sequência que dá mais tom a narrativa, uma Brasília da Polícia Rodoviária Federal chega no posto, mas o corpo permanece intocado e basicamente ignorado, pois o que os policiais querem é achacar nosso protagonista que os recebe com toda a calma e cortesia possível mesmo diante desse quadro bem anormal.
Com essa inesquecível cena de abertura, que nasceu de um curta nunca produzido, Kleber Mendonça Filho nos apresenta a quase tudo o que precisamos saber sobre seu longa. O mistério sobre quem exatamente é o protagonista, é algo que não será entregue muito facilmente. O clima de thriller é estabelecido. A morte está à espreita. A indiferença sobre as vidas humanas é a regra. A Ditadura Militar em vigor é corrupta e existe para servir-se, e não para servir o cidadão que, por sua vez está sozinho, abandonado à sua própria sorte, sem ter muito o que fazer senão acomodar-se e dançar de acordo com a música.
E neste momento do longa que somos apresentado oficialmente ao nosso protagonista Marcelo (Wagner Moura), isso acontece em um contexto que reitera a abordagem ambígua, pois ele encontra abrigo em um lugar já preestabelecido, sendo recebido de braços abertos por Dona Sebastiana (Tânia Maria), que diga-se de passagem entrega uma atuação maravilhosa, uma simpaticíssima senhora que, porém, assim como ele, guarda algo no fundo de seus olhos. Todo tom de mistério a cerca deste lugar só nos faz questionar mais ainda “quem é Marcelo?” e então, o diretor, com toda sua maestria, começa a desfazer as amarras do roteiro e nos entregar aos poucos uma história profunda e cheia de reviravolta. Porém o filme é complexo, pois ele aborda muito mais que somente a história central de nosso portagonista, ele tem camadas de realidades infelizmente muito comuns nessa época, como uma perna humana dentro de um tubarão e assassinos de aluguel. Mas há outros elementos importantes, e um deles é a família de Marcelo, composta por uma esposa já falecida a princípio por doença conforme ele comenta com seu filho pequeno, além de sua mãe, cuja prova física de existência ele procura em seu emprego pré-arranjado na entidade que emite carteiras de identidade, trazendo à tona os temas de identidade e memória. E toda essa carga traz o melhor de Wagner Moura que entrega o drama como poucos.
O Longa é uma forma de resgatar os acontecimentos e mostrar que aquilo que começou na ditadura e ainda não acabou, há consequências no presente, mas não como artifício de enquadramento, mais para ilustrar as queimas de arquivos que nunca foram resolvidas em tal época.
Nelas, uma jovem universitária contratada no que acredito ser nos tempos atuais, até mesmo pela identificação de vestimentas e tecnologia, a mesma recebe a tarefa de degravar fitas cassetes de casos antigos, ouve fragmentos da história de Marcelo e interessa-se talvez mais do que deveria pelos eventos que o espectador vê na tela, realmente envolvendo-se com o drama e com o suspense criados. E serve para colocar na mesa a triste realidade de que aquilo que começou com o golpe militar parece não ter acabado até hoje. Mas ao contrário da abordagem padrão de Ditadura Militar, aqui vemos uma outra ótica pouca abordada em filmes nacionais, a natureza não só militar, mas empresarial. Em O Agente Secreto, o estado opressor, apesar de sempre presente como uma nuvem carregada no horizonte, permanece quase sempre no banco de reservas, em um papel mais passivo, abrindo espaço para a corrupção sistêmica de interesses privados que se beneficiam da situação, algo que o diretor traz para seu filme de forma fenomenal.
Há muita elegância no que Kleber Mendonça Filho nos trás, pois ele mescla momentos de drama sólidos com uma certa leveza nas cenas de ternura das relações de Marcelo com sua família e com seus vizinhos, inclusive e especialmente Dona Sebastiana e por outras tantas vezes flutua entre personagens que, de tão asquerosos como o delegado de polícia e seus dois filhos, são verdadeiras caricaturas, com direito até mesmo a um momento comicamente macabro em que a tal perna achada na barriga do tubarão “ganha vida”.
Mas o que realmente ganha vida é a cidade de Recife nos anos 70. Poucos cineastas atuais conseguem trabalhar tão bem os espaços urbanos quanto Kleber Mendonça Filho. As cidades que vemos em suas obras são vivas, pujantes, cheias de personalidade, com suas histórias e folclores presentes em cada tomada, transformando-as em personagens que embalma a história.
Os figurinos e ambientes comandados pela direção de arte de Thales Junqueira e os figurinos de Rita Azevedo, são a alma desse mergulho profundo que o diretor faz, nesse mundo urbano de sua mais nova obra. Eles remetem mesmo a época de uma forma bem realista e nada foge ao olhos desta belíssima equipe de ambientação, em cada frame.
Sem entrar em detalhes para não dar spoilers, quando o filme chega ao seu desfecho no presente, ele perde parte de sua força. Um dos pontos que menos me agrada é a escalação do ator que vive o personagem que aparece nesse epílogo, algo que muito mais distrai do que traz alguma vantagem narrativa.
No entanto, um encerramento menos do que perfeito de um épico de outra forma quase irretocável não é um problema realmente sério e “O Agente Secreto”, no geral triunfa em toda sua proposta mesmo com seu tempo considerado longo para um filme, ele nos entrega uma historia épica com todos os tipos de emoções até o fim, sem perder nossa atençao e despertar a curiosidade.

“O Agente Secreto” entra em cartaz nos cinemas nacionais no dia 6 de Novembro.
Agora basta garantir o ingresso e prestigiar esta bela história contada com maestria!

Crítica- Rafa Gomes.

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