A influência humana sobre o meio ambiente segue em ritmo alarmante — e no bioma Pampa, esse impacto ganha contornos dramáticos com o caso do tuco-tuco-do-lami (Ctenomys lami), um pequeno roedor subterrâneo que vive apenas na região metropolitana de Porto Alegre.
Classificada como vulnerável à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a espécie enfrenta um risco crescente de desaparecimento devido à redução e fragmentação de seu habitat natural.
Pesquisas apontam redução preocupante
Movida pela curiosidade em compreender melhor a relação entre o animal e as transformações do ambiente, a bióloga Thamara Santos de Almeida revisitou 28 áreas históricas de ocorrência do tuco-tuco-do-lami.
O resultado acendeu um alerta: apenas oito subpopulações ainda resistem, enquanto 15 desapareceram nas últimas décadas. Nas demais localidades, não foi possível confirmar a presença atual da espécie.
“Quanto mais espaçados estão esses campos nativos, maior a probabilidade de ele [o tuco-tuco-do-lami] não conseguir existir”, explica Thamara.
“Mais do que a quantidade de campos, o que garante a sobrevivência do animal é a conectividade entre os fragmentos. É fundamental restaurar e manejar corredores de vegetação que unam as populações remanescentes.”
Descrito pela ciência apenas em 2001, o tuco-tuco-do-lami cava galerias e túneis subterrâneos, movimentando a terra e ajudando na dispersão de sementes. O hábito o torna essencial para a dinâmica dos campos nativos do Pampa.
Apesar da semelhança com os ratos urbanos, ele é um animal do campo, inofensivo aos humanos. Vive em áreas arenosas de Porto Alegre, Viamão e Santo Antônio da Patrulha, e sua baixa capacidade de dispersão o torna extremamente sensível a mudanças no uso do solo.
“Como já vive em áreas pequenas, qualquer impacto aumenta o risco de extinção”, reforça a pesquisadora.
O avanço da agricultura (principalmente soja e silvicultura), a expansão urbana, a construção de rodovias e grandes obras de infraestrutura estão entre as maiores pressões sobre a espécie. A flexibilização de leis ambientais agrava o quadro.
“Sem estudos prévios para identificar as áreas de ocorrência, corremos o risco de eliminar populações inteiras com empreendimentos que poderiam ser planejados em outros locais”, alerta Thamara.
O cenário é crítico: a área de ocorrência do tuco-tuco reduziu 17%, e menos da metade do habitat potencial segue disponível. Entre 1985 e 2019, o bioma Pampa perdeu 21% da vegetação nativa, restando apenas 45% de cobertura natural. Segundo o MapBiomas (2022), o Pampa gaúcho perdeu quase 3 milhões de hectares de campos nativos em quatro décadas — o equivalente a cerca de 30% de sua área original.
O estudo propõe ações como a criação e ampliação de Unidades de Conservação, a restauração de áreas campestres e o fortalecimento da conectividade entre fragmentos de vegetação.
“O Pampa ainda é um bioma invisível nas políticas públicas, mas sua biodiversidade não pode mais ser ignorada”, defende Thamara.
Embora o foco seja o tuco-tuco-do-lami, a pesquisa reforça o valor ecológico do Pampa gaúcho, reconhecido pela alta diversidade de espécies por metro quadrado. Proteger o pequeno roedor, portanto, significa também proteger todo um bioma — vital para o equilíbrio ambiental do Sul do Brasil.
Reconhecimento internacional
O trabalho, considerado pioneiro sobre a espécie, foi publicado na revista internacional Mammalia, da editora De Gruyter Brill, especializada em estudos sobre mamíferos.
Para Thamara, a publicação é um passo importante na divulgação científica e na conscientização ambiental.
“O papel dos veículos de comunicação é essencial nesse processo. Eles ajudam a ensinar, a informar e a inspirar o cuidado com o meio ambiente”, conclui a pesquisadora.
*Com a informação Jornal da Universidade UFRGS