Prefeitura de Porto Alegre contraria as próprias regras para impor volta às aulas presenciais
Foto: Reprodução | Facebook

Prefeitura de Porto Alegre contraria as próprias regras para impor volta às aulas presenciais

A presença obrigatória dos professores na escola pode prejudicar os alunos que querem continuar no ensino remoto, diz a diretora da EMEF Anísio Teixeira.

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Luciano Velleda | Sul21

Diante do baixo número de escolas abertas e da pouca adesão de alunos um mês depois da data estipulada para o início do retorno às aulas na rede municipal, no começo de outubro, o governo do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) determinou novas regras às direções das escolas. Enviados às direções na última quinta-feira (5) e publicados no Diário Oficial no dia seguinte, a Instrução Normativa 10/2020 e o Documento Orientador para sua execução visam aumentar a quantidade de professores e alunos no modelo presencial de ensino.

As novas regras entraram em vigor nesta segunda-feira (9), porém, o efeito esperado pela Prefeitura talvez não aconteça. Isso porque, no entender de algumas direções de escola, as novas orientações são contraditórias e vão em sentido oposto ao determinado pelo próprio governo no Decreto 20.747, que no dia 1º de outubro estipulou os protocolos sanitários para a volta às aulas na rede municipal.

“Estamos entre um decreto que tem força de lei, e que estabelece que a escola pode abrir quando tiver condições sanitárias, com uma série de medidas, e uma instrução normativa que diz que todos devem voltar”, afirma Rosele Cozza, diretora da EMEF Anísio Teixeira. Ela explica que as novas regras não atrelam o retorno dos alunos e dos professores às condições sanitárias de cada escola, e propõem uma organização diferente da que vinha sendo elaborada ao longo do mês de outubro.

Além do tempo curto para cumprir as novas orientações (de sexta para segunda-feira), Rosele aponta as “inúmeras contradições” que o documento traz às direções no que diz respeito à segurança sanitária de alunos e trabalhadores da educação. Um dos problemas, explica a diretora da EMEF Anísio Teixeira, se refere à determinação do Calendário Escolar 2020, com impacto no direito do aluno e de sua família em optar pelo retorno presencial ou permanecer no modelo de ensino remoto. A nova normativa da Prefeitura estipula que o ano letivo de 2020 só será concluído quando cada escola efetivar, em cada turma, 800 horas de atividades letivas, “sendo no mínimo 400 horas presenciais executadas no tempo regular”.

“Nenhum parecer municipal, estadual ou nacional colocou esse tempo de validação do ano letivo”, afirma Rosele. Ela diz que, ao impor 400 horas de aulas presenciais, a rede municipal de Porto Alegre não conseguirá concluir o ano letivo de 2020 antes de junho de 2021. Isso também poderá significar a impossibilidade de alunos dos anos finais do ensino fundamental ou médio ingressarem em outras redes de ensino. O tempo de horas-aula estipulado pelo governo Marchezan se relaciona com outra determinação da Prefeitura: a de que todos os profissionais que não tenham sintomas de covid-19 e não sejam do grupo de risco, “devem realizar trabalho presencial nas escolas, conforme suas escalas de trabalho, excetuando-se as horas de planejamento, reuniões e formações que deverão ser remotas”, estabelece a normativa.

O problema e a contradição está no fato de que maioria das famílias não está disposta a enviar os filhos à escola. Na EMEF Anísio Teixeira, a diretora diz que mais de 90% das famílias seguem optando pelo ensino remoto. “Esse aluno ficará sem ser atendido se o professor ficar na escola o tempo todo. Como a Prefeitura pode determinar que o ano letivo só poderá ser concluído com 400 horas presenciais se as famílias não pretendem enviar seus filhos às escolas?”, questiona Rosele.

Outro conflito entre a nova instrução normativa e o decreto que estipula os protocolos sanitários, destaca a diretora da EMEF Anísio Teixeira, se refere às horas-aula de cada turma. Agora a Prefeitura de Porto Alegre quer que as aulas presenciais tenham 4 horas diárias para o período regular e 5 horas diárias para o currículo complementar. O atendimento deve ser conforme a capacidade da sala de aula e, no caso de haver mais alunos que a capacidade da sala, a turma deve ser dividida, com aulas intercaladas a cada dia da semana, ou seja, num dia parte da turma tem aula presencial enquanto outra parte tem aula remota, invertendo no dia seguinte.

Rosele pondera que a imposição do atendimento em turmas de dois grupos não comporta a realidade e o limite das salas de aula da maioria das escolas do município. Outro aspecto citado é que o atendimento intercalado pode colocar em risco o controle e rastreamento de possíveis casos de covid-19, além de atrapalhar o cumprimento da carga horária anual. “O prefeito fez o decreto que agora quer que a gente descumpra. Ou descumpro o decreto, ou descumpro a instrução normativa, então optei por não abrir a escola”, afirma a diretora da EMEF Anísio Teixeira. A escola ainda passa por uma reforma que deve ser concluída na próxima semana.

Professores inseguros
Tal como a diretora da EMEF Anísio Teixeira, Karime Kiener, diretora da EMEF Gov. Ildo Menegheti, destaca que a recente instrução normativa deveria regrar o retorno às aulas à luz do decreto que estipula os protocolos sanitários. Outra contradição, aponta Karime, é o fato de o decreto vetar atividades no contra-turno, enquanto a instrução agora exige que as escolas ofereçam essas atividades.

Karime afirma que a instrução traz insegurança grande para o corpo docente, pois determina que os professores devem cumprir a carga horária total, ao contrário do decreto. O receio é quanto à vida funcional e possíveis descontos no salário. “Estamos com a escola dividida. Uns (professores) vão voltar para cumprir a carga horária mesmo sem aluno, e outros vão ficar em casa para atender o ensino remoto”, explica.

A obrigatoriedade dos professores cumprirem a carga horária presencialmente, diz a diretora da EMEF Gov. Ildo Menegheti, colocará em risco o atendimento dos alunos que querem permanecer no modo remoto. Karime conta que a escola por ela dirigida tem apenas um laboratório de informática que não pode ficar cheio devido às regras de distanciamento. A instituição tem apenas dois computadores portáteis para 86 professores, sendo que um deles é usado pela própria diretora. Não há ponto de internet nas salas de aula. “Não tenho equipamento para o pessoal trabalhar. Não tenho condições de oferecer segurança sanitária e nem estrutura tecnológica”, afirma.

Karime tomou posse como diretora da EMEF Gov. Ildo Menegheti no começo de outubro e ainda aguarda a finalização dos trâmites burocráticos. A escola tem cerca de 1.400 alunos. Ela explica que a obrigação determinada pela normativa para os professores voltarem presencialmente à escola pode colocar em risco os alunos que optam por permanecer em casa.

“Agora, o horário de planejamento será para aula presencial e não para o remoto. O professor vai planejar as aulas remotas e postar na plataforma em qual carga horária? Quem vai garantir o ensino remoto para quem necessita ou deseja?, pergunta a diretora.

Enquanto não tem as respostas, a diretora da EMEF Gov. Ildo Menegheti tem orientado os professores a não voltarem à escola ainda. A questão é a insegurança dos professores em descumprir a normativa. “Alguns vieram hoje (segunda) e outros virão amanhã (terça), é um grupo pequeno e estamos no esforço de tranquilizá-los. São professores que irão retornar por insegurança com relação à vida funcional e descontos que possam ter”, lamenta.

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