Liberação de restrições é precoce e nova onda pode ocorrer em breve no RS, alerta cientista de dados
Foto: Maria Ana Krack/PMPA

Liberação de restrições é precoce e nova onda pode ocorrer em breve no RS, alerta cientista de dados

Comércio não essencial voltou a operar em Porto Alegre no final de março

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Luís Eduardo Gomes | Sul21

Com os indicadores da covid-19 em queda, o governo do Rio Grande do Sul segue promovendo o relaxamento gradual das restrições implementadas para conter a doença. Contudo, o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador na Rede Análise Covid-19, alerta que essa abertura pode estar ocorrendo de forma mais rápida do que o ideal e que o aumento de mobilidade que segue as liberações pode levar a um novo aumento de casos da doença.

Nesta sexta-feira (23), foi a vez do anúncio da permissão para a retomada das aulas presenciais nos anos iniciais em regiões que estejam adotando os protocolos de bandeira vermelha pelo sistema de cogestão, mesmo no caso da bandeira determinada pelo Estado ser a preta. Além disso, prefeitos seguem pressionando por uma maior abertura das atividades econômicas.

Na quinta-feira (22), em reunião com o governador Eduardo Leite (PSDB), o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), defendeu a possibilidade de a Região Metropolitana ser classificada como bandeira vermelha na próxima rodada do Distanciamento Controlado, o que efetivamente permitiria a adoção de protocolos da bandeira laranja, a segunda menor classificação de risco. Após o encontro, Melo argumentou que o avanço da vacinação permitiria reduzir as restrições.

“Com responsabilidade e intensificando os protocolos, podemos retomar com segurança estas atividades. Além disso, o regramento adotado pelo Estado foi implementado quando ainda não tínhamos vacinas para população. Hoje, quase um terço dos porto-alegrenses vacináveis está imunizado com a primeira dose”, disse.

Na verdade, de acordo com dados da própria Prefeitura, Porto Alegre chegou na quinta-feira a 352.020 pessoas vacinadas com a primeira dose, o equivalente a 23,65% da população, e a 135.726 com a segunda dose, 9,11% do total. “Uma dose nem deveria ser contada como imunização, porque o regime de eficácia de uma dose nem testado foi”, diz Isaac.

O que dizem os números

O principal indicador considerado pelo governo do Estado para a adoção de protocolos sanitários é a taxa de ocupação de leitos hospitalares, clínicos e de UTI. Isto ocorre porque é um indicador que permite traçar um panorama mais preciso sobre o estágio em que o vírus se encontra, uma vez que o número de casos remete sempre a um período que já passou, em razão do intervalo que há entre a pessoa apresentar sintomas, testar e o resultado ser confirmado.

No caso do Rio Grande do Sul, o maior número de leitos clínicos ocupados simultaneamente por pacientes de covid-19, 5.435, foi alcançado em 12 de março. O pico de pacientes da doença internados em UTIs, 2.634, só seria alcançado quinze dias depois, no dia 27 de março.

Desde o pico até esta quinta-feira, quando fechou o dia em 2.405, a ocupação dos leitos clínicos já caiu 55,74%. Como os pacientes permanecem mais tempos internados em UTIs, a queda da ocupação deste tipo de leito tem sido mais lenta, caindo 27,71% desde 27 de março até ontem, 1.904.

De acordo os dados disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde, o crescimento de internações em leitos clínicos acelerou fortemente em meados de fevereiro, começando a desacelerar no início de março, estabilizando entre 5,2 mil e 5,4 mil pacientes internados simultaneamente entre os dias 10 e 18 daquele mês, começando uma queda gradual desde então.

A queda indica que as restrições mais duras deram resultado. Com a queda na ocupação de leitos, o governador iniciou o relaxamento no dia 21 de março, quando permitiu o retorno da cogestão e a consequente reabertura do comércio não essencial, do setor de serviços e de bares e restaurantes. Desde então, já permitiu a ampliação do horário de funcionamento, a abertura aos finais de semana e, agora, a retomada das aulas presenciais para educação infantil e séries iniciais.

Contudo, Isaac considera que as restrições deveriam ter perdurado por mais tempo, porque os indicadores ainda estão em patamares  elevados. Ele destaca que o RS mantém a queda nos indicadores, mas como ela começou em um patamar muito elevado, o ideal seria permanecer mais tempo antes de relaxar restrições que vão resultar no aumento da mobilidade. “O menos pior seria chegar no exato mesmo nível da última queda para ter a mesma flexibilização que eu tive da última vez. E aí eu teria o mesmo resultado que tive da última vez”, diz. “O caminho está correto, mas estamos querendo mudar a atitude que nos fez chegar nisso, que foi restringir a mobilidade”, complementa.

Quando a cogestão do Distanciamento Controlado foi suspensa e as medidas restritivas mais duras foram adotadas, em 27 de fevereiro. O RS tinha 3.113 pacientes internados em leitos clínicos e 1.474 em leitos de UTI. Isto é, tinha mais leitos clínicos ocupados, mas mais leitos de UTI livres em relação ao momento atual. Com relação ao menor patamar do ano, a diferença para o atual momento ainda é muito significativa. Em 26 de janeiro, os hospitais gaúchos tinham 760 pacientes confirmados de covid-19 em UTIs, 40% dos 1.904 de quinta-feira. Já em relação aos leitos clínicos, o menor patamar, 904, alcançado em 25 de janeiro, representa 37,5% dos pacientes de ontem.

“A gente deixou subir muito. Quando tu deixa subir muito, o que acontece? Se tu deixar, dez pessoas contaminam outras dez, depois contaminam outras 20, outras 40, 80, 160, e, quanto tu vê, tem aquela parede. A queda não é exponencial. Uma alta não gera outras dez altas, que geram outras 20. Naturalmente, a queda é mais devagar, as pessoas se curam de uma forma mais linear do que exponencial. Então, quanto tu deixa subir muito, tu tem um tempo maior para a queda”, afirma o cientista de dados.

Tendência de queda pode ser revertida

A partir da observação de dados, Isaac considera que a média móvel de casos reportados já estabilizou nos últimos dias.

Outros indicadores para os quais ele chama a atenção são para o aumento da mobilidade — calculada pelo Google — e dos sintomas reportados por usuários de rede social. Apesar de ressalvar que não são dados científicos, destaca que, como é possível ver no gráfico abaixo, eles têm antecipado as tendências de aumento de casos e de ocupação de leitos hospitalares. No caso do Rio Grande do Sul, ambos indicadores explodiram em fevereiro, caindo fortemente em março.

No caso da mobilidade, já há uma reversão de tendência, mas ainda abaixo dos patamares de fevereiro. Contudo, a expectativa, a partir das liberações, é subir. “Não é a gravidade que está puxando a queda, é toda a energia que estamos fazendo de ficar longe uns dos outros. Mais distanciamento, menos casos. Só que agora a gente começou a jogar energia no sentido contrário, para dar mais mobilidade”, pondera. “Se a gente aumenta a mobilidade, a gente coloca as pessoas em contato com outras suscetíveis”.

Ele avalia que, na “menos pior das hipóteses”, a retomada da mobilidade vai gerar a estabilização dos casos de covid-19, mas ainda neste patamar elevado. “A única chance de isso não dar numa tragédia, na minha visão, é se a gente chegasse numa situação de esgotamento total de suscetíveis, de imunidade comunitária, onde mesmo as pessoas entrando em contato, não teríamos mais doentes. É a única chance disso dar certo”, diz.

Exemplos pelo mundo

Isaac frisa que não há como saber qual percentual da população ainda é suscetível a ser contaminada pelo vírus, mas alerta que há exemplos pelo mundo em que se imaginou que o patamar da chamada imunidade de rebanho teria sido alcançado, para logo em seguida ocorrer uma nova onda da doença. “Manaus mostrou para nós que não adianta, a Índia também. Na Índia, o pessoal estava certo que tinham atingido uma imunidade comunitária relevante, que não teriam mais explosões, a explosão [atual] da Índia é um negócio absurdo”, diz.

O país asiático já registro quase 4 milhões de novos casos de covid-19 somente em abril. Só na quinta-feira, foram 332 mil novos registros, e ainda está em tendência de alta.

“A gente sabe que temos a chance de conseguir a imunidade comunitária com vacina, mas, mesmo assim, essa cobertura tem que ser enorme”, diz. O cientista de dados destaca que países tentaram promover uma abertura antes de alcançar um patamar de imunização coletiva ampla e acabaram tendo novas ondas, como o ocorreu no Chile. Segundo Isaac, o país sul-americano promoveu um amplo relaxamento das restrições quando superou a marca dos 25% da população vacinada com duas doses. No dia 14 de abril, o país registrou a maior média móvel de novos casos diários em sete dias, com 7.341.

“A vacina só funciona quando cobre o todo, não é uma estratégia individual. Por exemplo, se os idosos vacinados tivessem morando numa cidade bolha, só com eles, essa cidade provavelmente estaria mais segura. Só que eles estão misturados no meio da população”, diz. “Se eu fosse gestor, de jeito nenhum eu aumentaria a mobilidade da minha cidade agora. Eu deixaria baixar ainda mais [os indicadores], porque, eu tendo essa queda, garanto um resultado melhor para a economia. Porque, ocorrendo essa queda, quando eu reabrir, por ter menos incidência, não vai ter um estouro gigantesco. Mesmo que venha a ter um surto, eu garanto mais tempo de abertura. Foi o que ocorreu na Europa. Chegaram a ter zero óbitos e abriram tudo para o verão. Chegaram a ter um aumento de casos no início julho e a exponencial foi acontecer em setembro. Tiveram julho, agosto e setembro quase normais. Aí demoraram para fechar, foram fechar só no final de outubro, o que gerou a segunda onda monstruosa”.

Ele diz que, mesmo no Brasil, a curva de queda posterior à primeira onda só começou a ser revertida em setembro e um novo pico explodiu a partir de dezembro. “Agora, a gente está num nível muito mais alto. Eu não acho que, se reabrirmos agora, vamos ter um novo pico daqui a três meses. A chance é de que isso possa ocorrer muito mais rápido, em questão de 15, 20 dias, se liberar tudo”, diz.

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