Por Natasha Maya Ferreira*
O sagrado e o profano se misturam nesse filme cheio de preciosismos, elogiado até por Stephen King quando de seu lançamento, em 2015.
O diretor Robert Eggers usou de várias ferramentas para inserir seu filme no subgênero “terror arte “, como cenas claramente inspiradas nas pinturas do espanhol Francisco Goya, a escolha do inglês arcaico nos diálogos e a fotografia de Jarin Blashke, valorizando sombras e luzes de velas criando uma atmosfera sobrenatural. Importante frisar que um dos produtores foi o brasileiro Rodrigo Teixeira e que foi a obra que lançou ao estrelato a então adolescente Anya Taylor Joy.
O diretor escolheu filmar no Canadá para reproduzir a Nova Inglaterra do século XVII e a saga de horror psicológico de uma família de puritanos que foram expulsos da comunidade religiosa aonde viviam.
Nesse ambiente hostil, isolado, frio e cercado por lobos selvagens não havia lugar para sentimentalismos, tudo era questão de trabalhar duro e de sobreviver ao frio e à fome.
O despertar da sexualidade
Thomasin, a protagonista ainda é uma menina, doce, carinhosa e cheia de vida, a mais velha de cinco irmãos, o que vai de encontro ao que se espera dela: que cuide dos mesmos e ajude mais que os outros nos trabalhos da fazenda. Ao mesmo tempo ela está entrando na puberdade em uma época em que uma jovem de 13, 14, anos era considerada pronta para se casar.
SPOILER: uma manhã sua mãe manda que ela tome conta de Samuel, o bebê caçula. Enquanto brinca com a criança no colo, de abrir e fechar os olhos, em segundos o mesmo desaparece, o que causa um choque nela e o primeiro grande susto no espectador. Provavelmente um lobo o pegou.
Esse fato traz uma reviravolta na relação de todos com a moça, especialmente a mãe, que passa a olhá-la com desconfiança e ciúmes, inclusive do próprio marido, colocando nela a culpa pela perda de uma taça de prata que tinha herdado. Caleb, seu irmão e ela vão procurar o bebê, mas ele é capturado por uma bela mulher que o atrai, passa a noite com ela e volta possuído por um demônio {a iniciação sexual como algo com consequências terríveis}. Uma impressionante cena de exorcismo se sucede, culminando com a morte do mesmo e várias outras desgraças.
Assim como o filme funciona maravilhosamente bem como horror, tensionando o público e criando expectativas e dúvidas, além de inserir sustos sucessivos, é também uma metáfora para a sexualidade, em especial a feminina e como era vista.
As bruxas eram na lenda amantes do diabo. Na vida real eram parteiras, curandeiras, prostitutas,e outras que não se encaixavam nos padrões esperados. Thomasin {sin-pecado em inglês}. não se inseria em nenhuma dessas categorias, mas no final se viu sem escolha.
O filme caminha nas duas interpretações: a sobrenatural, e a metafórica; onde repressão sexual, fanatismo religioso e até questões familiares são abordadas através da primeira. Tanto que grupos religiosos o explicaram, inclusive citando a austeridade de William, o pai, como uma porta de entrada para o mal, já que vai contra a felicidade que Jesus trouxe no Novo Testamento. Por outro lado, seitas satânicas recomendaram fortemente que seus membros o assistissem.
Independente dessas análises, criou um novo modo de filmar o terror, e com certeza vai sobreviver muito bem.
*Jornalista, crítica de cinema e colaboradora do portal Tem Que Ver Cinema