O recuo dos Estados Unidos em medidas duras contra o Brasil, como a imposição de tarifas comerciais e a aplicação de sanções com base na Lei Magnitsky, esteve menos ligado a uma mudança estratégica em Washington ou a ganhos diplomáticos do governo Lula e mais ao perfil imprevisível de Donald Trump e à perda de relevância política de Jair Bolsonaro. A avaliação é do ex-embaixador americano John Feeley, especialista em América Latina, em entrevista à BBC News Brasil.
Segundo Feeley, Trump abandonou Bolsonaro assim que o ex-presidente brasileiro deixou de ser politicamente útil. Para o diplomata, a aproximação entre ambos foi circunstancial e baseada em interesses momentâneos, explorados de forma pragmática pelo então presidente dos EUA. Com a derrota, condenação e prisão de Bolsonaro, o vínculo perdeu valor. “Donald Trump não tolera perdedores”, afirmou Feeley.
O ex-embaixador também avalia que a política externa de Trump é marcada por impulsividade e ausência de estratégia, o que torna negociações instáveis. Nesse contexto, o desfecho recente da crise bilateral — iniciada com tarifas de 40% sobre produtos brasileiros e a inclusão do ministro Alexandre de Moraes e de sua esposa na lista da Magnitsky, em meio a pressões sobre o julgamento de Bolsonaro — teria sido mais fruto do acaso do que de habilidade diplomática. Em novembro, Washington suspendeu as tarifas e retirou os nomes da lista.
Feeley atribui a reação inicial dos EUA à influência de lobby exercido por Eduardo Bolsonaro em Washington e afirma que Trump é suscetível a pressões do entorno do poder. Ao comentar o cenário regional, o diplomata considerou improvável uma invasão terrestre americana na Venezuela e sugeriu que o Brasil pode servir de exemplo institucional, ao demonstrar compromisso com limites democráticos após os atos golpistas de 8 de janeiro, em paralelo ao 6 de janeiro nos EUA.



