O temporal que atingiu Porto Alegre na noite deste domingo (16), transformou o que deveria ser um simples alívio para o calor intenso em um gatilho de alarme generalizado. Rajadas de vento e trovoadas, que em anos anteriores causariam apenas incômodo, hoje despertam um medo intrínseco e coletivo no gaúcho.
Este fenômeno psicológico é uma sequela direta da Enchente Histórica de Maio de 2024, o maior desastre climático do Rio Grande do Sul. O que presenciamos é a manifestação de um trauma climático pós-catástrofe.
O desastre de 2024 não foi apenas uma catástrofe física; foi um evento de saúde mental pública. A exposição prolongada ao risco, a perda de vidas e bens, e o sentimento de impotência diante da força da água criaram uma memória traumática profunda.
Toda vez que uma chuva mais forte se aproxima ou um alerta soa, o cérebro gaúcho é inundado por essa memória. Esse medo não é irracional; ele é uma resposta de sobrevivência condicionada pelo evento extremo.
Pesquisas em psicologia do trauma já apontavam para essa realidade em contextos pós-desastres. O estudo de Malt et al. (2018) sobre as consequências psicológicas de inundações em áreas urbanas demonstra que os sobreviventes frequentemente desenvolvem Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), ansiedade e medo desproporcional diante de eventos climáticos subsequentes.
No caso do Rio Grande do Sul, o trauma é amplificado pelo fato de a cheia ter superado todos os recordes históricos (como a de 1941), quebrando a percepção de segurança e estabilidade.
A relação entre eventos climáticos extremos e o aumento da ansiedade é um campo de estudo crescente, conhecido como Psicologia Ambiental. Um trabalho relevante de Berry et al. (2018), publicado no Journal of Environmental Psychology, aborda como a percepção de risco climático altera o comportamento e a saúde mental das comunidades.
Após a enchente de 2024, o limiar de tolerância do gaúcho à chuva forte despencou. O que era uma chuva normal agora é percebido como uma ameaça iminente de repetição do cenário de maio, com o Guaíba subindo novamente.
Essa reação é reforçada pela ciência que liga as mudanças climáticas à intensificação dos eventos. Um relatório do IPCC, referenciado por Masson-Delmotte et al. (2019), afirma que a frequência e intensidade de chuvas fortes aumentam globalmente com o aquecimento, especialmente em regiões subtropicais como o Sul do Brasil.
O gaúcho sabe, no fundo, que o desastre de 2024 não foi um evento isolado, mas sim uma amostra do que pode vir a ser a nova rotina climática.
O temporal de 2025 é um lembrete vívido dessa nova realidade. A cada raio e rajada de vento, a população corre para verificar alertas da Defesa Civil e checar os níveis dos rios. Isso não é histeria; é uma adaptação traumática a um ambiente mais perigoso.
Para transformar esse medo em resiliência, o foco deve migrar do alarme imediato para o planejamento de longo prazo. É fundamental que o estado invista em:
• Infraestrutura de Contenção: Reconstrução e modernização dos sistemas de diques e casas de bombas em Porto Alegre.
• Sistemas de Alerta Precoce: Tornar os alertas da Defesa Civil mais rápidos, claros e localizados.
• Apoio Psicossocial: Implementar programas de saúde mental para as comunidades afetadas, conforme sugerido por Berry et al. (2018), para tratar o trauma e normalizar a ansiedade.
O medo intrínseco do gaúcho à chuva forte é a cicatriz psicológica da maior catástrofe que o estado já viveu. Ele é o preço da adaptação a um clima que não existe mais.



