Estudo sobre a situação do serviço público de transporte coletivo intermunicipal de passageiros na região Metropolitana de Porto Alegre revelou o risco de colapso do sistema que hoje é utilizado por milhares de trabalhadores de hospitais, escolas, segurança, construção civil, do comércio e de outros setores que se deslocam entre as cidades do entorno de Porto Alegre até a capital.
Segundo o levantamento, coordenado pelo economista Gustavo Inácio de Moraes, doutor em Economia Aplicada e professor da PUCRS, esse tipo de transporte encolheu de forma acentuada nos últimos anos. Antes da pandemia para cá, apontou a análise, o número de passageiros caiu de 89 milhões, em 2019, para 51 milhões em 2024, queda de 43%.
Analisando as últimas duas décadas, a queda é ainda maior. A redução foi de 65%, já que em 2006, 144 milhões de pessoas, entre pagantes e não pagantes, utilizaram os ônibus intermunicipais que ligam os municípios da Grande Porto Alegre à Capital.
Custos em alta, receitas em queda
A queda na demanda ocorreu em paralelo a um aumento dos custos do sistema. Entre 2020 e 2024, o custo total por passageiro puxado pela alta de combustíveis, insumos, reajustes nos salários e manutenção, foi 13,6% superior à receita por passageiro. Essa situação criou um desequilíbrio que compromete a sustentabilidade da operação. Dessa forma, a defasagem total do sistema apontou perda acumulada de R$ 51,5 milhões somente em 2024. Esses valores são referentes somente à reposição da operação, sem considerar os investimentos necessários.
Segundo o presidente da ATM, entidade que reúne as prestadoras do serviço público de transporte intermunicipal da RMPA, José Antônio Ohlweiler, esse montante, se tivesse sido compensado por meio de aportes do Governo do Estado, que é o poder concedente, como prevê a lei da mobilidade urbana, daria um fôlego para que o sistema pudesse garantir um reequilíbrio e, a partir disso, tentasse retomar as condições de investimento e recuperação da frota — hoje limitada justamente pela falta de recursos. “É importante frisar que, mesmo assim, com todas essas dificuldades e essa perda acumulada que ameaça o sistema, nunca deixamos de cumprir com as obrigações em termos de linhas e horários, sempre sob fiscalização da Metroplan e regulação da AGERGS”, pontua Ohlweiler.
O exemplo de outras regiões
A dificuldade em manter o equilíbrio econômico do transporte metropolitano não é um caso isolado do Rio Grande do Sul. Em diferentes estados e capitais, a solução tem vindo por meio de políticas públicas permanentes de subsídio para evitar que o custo seja repassado ao usuário do transporte com o encarecimento das tarifas e garantir que o sistema continue operando sem riscos de um colapso. Inclusive, em Porto Alegre houve mudança na forma de remuneração dos concessionários, visando a garantir a cobertura dos custos quilométricos do sistema. No Rio Grande do Sul, o Governo do Estado, apesar de ter concedido alguns subsídios específicos, ainda não estabeleceu mecanismos permanentes de subsídio ao sistema.
Em Brasília, por exemplo, o governo local injeta quase R$ 1 bilhão por ano no sistema, cobrindo cerca de 75% dos custos. A medida permitiu congelar a tarifa desde 2020 e manter uma frota renovada, que transporta mais de 1 milhão de passageiros diariamente entre a capital federal e o Entorno.
Em Goiânia, uma parceria entre governo estadual e prefeitura possibilitou a criação de corredores rápidos, instalação de semáforos inteligentes e a renovação da frota, tornando o transporte mais eficiente e atrativo. Minas Gerais e São Paulo também adotaram modelos de cooperação para subsidiar o sistema e renovar os veículos. Na própria Região Metropolitana de Porto Alegre diversas cidades já contam com políticas de incentivo que têm qualificado o transporte.
Um serviço essencial para trabalhadores
Mesmo diante da retração, os ônibus metropolitanos continuam operando com a capacidade prevista para atender a demanda, sendo essenciais para a mobilidade de milhares de pessoas. São mais de 220 mil passageiros transportados por dia, em grande parte trabalhadores de menor renda que moram em municípios ao redor de Porto Alegre e dependem do sistema para chegar aos seus empregos em hospitais, escolas, shoppings, restaurantes e outros serviços na capital.
O futuro do transporte
Para as lideranças do setor, o grande desafio hoje é equilibrar custos e receitas sem onerar ainda mais o trabalhador, que já sente o peso da tarifa em meio à queda do poder de compra. A avaliação é que apenas com a construção de uma política pública permanente para o transporte coletivo metropolitano será possível garantir a sustentabilidade do serviço e avançar em melhorias que beneficiem os usuários, além de evitar sucessivos aumentos do custo da passagem.
“Apesar de existir um processo de licitação para o serviço em andamento, a qual não somos contra, o atual modelo do sistema seguirá vigorando por mais alguns anos e, até lá, é preciso encontrar soluções. Os dados mostram que seria necessário somente 0,06% do orçamento do governo do Estado atualmente para o reequilíbrio do sistema”, acrescenta o presidente da ATM



